Hoje, Dia Internacional das Mulheres. Daqui há 12 dias, será votado na Assembléia Legislativa Estadual da Bahia o dito polêmico Projeto de Lei Anti-Baixaria ( PL nº 63/201), da deputada Luiza Maia "que dispõe sobre a proibição do uso de recursos públicos para contratação de artistas que em suas músicas, danças ou coreografias, desvalorizem ou exponham as mulheres a situação de constrangimento ou que incentivem a prática da violência e desrespeito ao ser humano". Há quem fale em censura à liberdade artística e cultural, mas querem saber o que eu acho?
Tratar este projeto de lei como um instrumento de censura à expressão, é naturalmente o argumento mais óbvio, mas é também o mais frágil. Passamos tanto tempo cuidando das ditas minorias, que nos esquecemos que algumas maiorias ainda não alcançaram sua plena conquistas de direitos, me referindo aqui às mulheres.
Não pode ser censura um projeto como este, assim como não é censura a lei que proíbe a exposição em situação constrangedora de raças e etnias (negros, índios, etc); de homossexuais; de crianças e idosos. E não nos esqueçamos, há também mulheres negras, índias, homossexuais, crianças e idosas. Lutar pela integridade deste aspecto do feminino na sociedade, é antes, zelar por uma saúde das mulheres em seus outros espaços de conflitos.
Censura Cultural? Penso que esse seja o argumento mais manipulado de todos. Existe sempre em torno de qualquer assunto que mexe nos fundamentos de uma sociedade, uma tentativa de sacralizá-los sob o manto terno da cultura que tudo abraça. Ora, isso não poderia ser mais leviano, pois trata da tentativa de fossilizar também equívocos históricos, e no caso especificamente das letras de pagode de cunho sexista, perpetuar uma subjugação da condição feminina pelo falo masculino.
Nessas letras de pagode à qual o Projeto de Lei se refere, o homem, sendo sempre o pauzudo, gostoso, irresistível, cultuado, pegador e socialmente aceito por tudo isso; e a mulher, a megera, histérica, que não resiste a um pênis, e que deve ser controlada pela força física masculina. Não é preciso ser muito inteligente, para observar que existe um desnível de status muito grande entre a construção da identidade masculina e a feminina no pagode.
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Música ou Linchamento Público da Condição da Mulher? |
O termo "cultural", é habitual e erroneamente empregado como "etiqueta de qualidade", o que é também pouco prudente. Afinal, lapidação de mulheres (apedrejamento), e castração de mulheres (mutilação dos órgão de prazer feminino), coisas que naturalmente devem ter sido invetadas por homens, também são aspectos culturais de algumas sociedades, e nem por isso deixamos que essas coisas aconteçam sem que mostremos a nossa indignação e muitas vezes nosso ativismo contra essas barbáries que ainda hoje acontecem no mundo.
Pois bem... se contra estes "aspectos culturais" nós podemos lutar, porque também não podemos lutar contra as letras de pagode que aviltam a condição da mulher? E digo mais, para mim a mentalidade que criou a lapidação e castração de mulheres, é a mesma que cria letras de músicas que colocam a mulher como alvo de constrangimento. E para que não reste dúvidas do que eu estou falando, eu quero dizer que o pagode sexista/machista é o correlato contemporâneo ao apedrejamento de mulheres.
Quanto ao mérito artístico, não tenho muito a dizer, a não ser que não imagino que algo que aspire ser arte, e que portanto, deve estar calcado num sentimento de libertação, possa dar suporte à opressão humana.
Este texto é dedicado às mulheres da minha vida, e em especial a Valda Aroucha (e seu marido), que me ensinaram a olhar a condição feminina com olhos de mulher, ou melhor, uma eco-mulher ;)
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Você tá por fora das novinhas de Recife! Ouça MC Sheldon ou MC Metal e Cego.
ResponderExcluirIsso é traaash!!!
augusto, ponto de vista muito bem colocado. mas me preocupa que as mulheres ainda precisem de defensores (mesmo que seja uma deputada, uma mulher) pra dizer pra elas o que é aceitável ou não, o que é apedrejamento ou não, o que é ofensivo ou não. quando olhei as fotos do teu post, pensei, não há só um homem ali, um carrasco. há tb uma mulher que se presta ao papel de ser olhada e desejada de uma maneira ofensiva e rebaixadora... quem ensinou pra ela que aquilo é aceitável? e por que ela mesma, em sua idade adulta, aceita e reproduz isso? qualquer ação vertical e prescritiva me preocupa, e parece que é o caso relatado por ti no post...
ResponderExcluirCara mia... na verdade, o projeto de lei (PL) não é restritivo à criação, disseminação ou execução públicas dessas músicas, com todo o espetáculo que isso venha a ser, na verdade, o PL apenas propõe que essas bandas não sejam contratadas com o dinheiro público, ou seja, que o Estado ou o Município não possa dar suporte financeiro a esse tipo de conteúdo, o que me parece prudente.
ExcluirMe apegando mais uma vez à Constituição Federal, diria ainda que é uma Lei que tenta fazer cumprir os princípios magnos de preservação da dignidade "pessoa humana", já pré-acordados socialmente. Como já disse, se pensamos em defesa de raça, etnia e sexualidade, devemos pensar ainda antes ou paralelamente nos gêneros. Não nos esqueçamos que a conquista plena dos direitos civis das mulheres só veio com a constituição de 1988, e é portanto, muito recente para que a própria sociedade historicamente sexista tenha absorvido.
Você pergunta "quem ensinou pra ela que aquilo é aceitável?", e eu imagino sem querer sem conclusivo: 3.000 anos de opressão. Estando a tanto tempo convivendo com este discurso que por tanto tempo foi socialmente aceito, você começa achar que o que dizem sobre você, pode ser verdade.
Por fim, sem querer encerrar de fato a discussão, ou antes mesmo, gerar mais conflito, trago para ti a memória do Mito da Caverna.
Parabéns Augusto pela coragem e sabedoria do texto. GENTE VALE A PENA LER. É fundamental para uma excelente reflexão. Sugiro a todos os amigos e amigas. Obrigada por esta contribuição à nossa luta. Excelente!!!!!! Inteligente!!!!!! Éticamente multidimensional!!!
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